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O Passado - Desigualdade
anunciada
De acordo com o historiador Sérgio Buarque de Holanda, foi a
mentalidade escravista da "Casa Grande e Senzala"
que fundamentou o modus vivendi brasileiro. Baseado em um tipo de
organização política, econômica e social
mantida artificialmente por
forças externas, o Estado brasileiro trouxe mais continuidade do
que
ruptura com o modelo instaurado pelo colonizador europeu:
"Quando a independência é declarada, a classe dominante se
nacionaliza
com alegria, se preparando para lucrar com o regime autônomo da
mesma
maneira que lucrava com o regime colonial. (...) A indepêndencia
representou a passagem de uma regência política, do rei
para o seu
filho, agora instalado no Rio de Janeiro, onde negociaria com
potência hegemômica de seu tempo, a Inglaterra" (1)
É nesse sentido que os traços econômicos, sociais e
culturais -
moldados por quatrocentos anos de escravidão e se estruturando
como uma
máquina de repressão e controle
político-administrativo - tornaram
possível ao poder brasileiro sempre beneficiar uma elite,
estabelecendo
como normas ideais de conduta para todas as classes certas atitudes do
patriarcado rural.
Essa mesma classe dominante ao escolher o modelo importado racionalista
de organização da vida e trabalho, impôs a
urbanização a milhões de
trabalhadores e assim foi se deteriorando o conhecimento da
população
rural e índigena do país, da sua biodiversidade, da
riqueza de sua vida
cultural heterogênea; o povo brasileiro foi lentamente se
despersonalizando, dentro de uma sociedade cada vez mais "desenvolvida"
para poucos. Uma monocultura, tanto agrária como cultural, foi
instalada em todo o país, e essa homogeinidade pode ser
testemunhada,
por exemplo, pela língua Portuguesa, adotada em todo vasto
território
nacional.
Nos tempos modernos, essa (des)organização arcaica
encontrou uma nova
forma, a ditadura militar. A recente democracia brasileira herdou do
período militar sérios problemas econômicos
agravados por
financiamentos estrangeiros de valores exorbitantes para
construção da infra-estrutura nacional. O período,
chamado de "Milagre
Brasileiro", culminou na verdade numa grande crise de dívida
externa em
1982, quando as dívidas, inflação e tensão
social começaram a se
disseminar ao redor do país. Durante os anos 90 foi registrada a
maior
inflação da história brasileira: 2639% por ano.
É claro que essas tensões agravaram a estrutura social. A
desigual
distribuição de renda causa violência, um grande
número de crianças
abandonadas e trabalho infantil, e muitas, muitas mulheres
responsáveis
por famílias inteiras sem assistência pública
adequada. O crime também
se organizou (especialmente no Rio, onde durante a ditadura militar
presos políticos dividiram celas com criminosos comuns, dando
forma `a
primeira facção criminosa da cidade) e uma
sucessão de casos de
corrupção em todos os níveis de poder invadiram as
páginas de jornal. O
sistema judiciário entrou em colapso, abbrindo as portas para a
impunidade, mais corrupção, narcotráfico e
colarinho branco.
Atualmente, o maior problema do país é a grande parcela
da população
condenada a viver em situações de extrema pobreza (40% de
acordo com o
IBGE), onde o desemprego em massa e a informalidade causam
exclusão social, dentro de uma economia cada vez mais dependente
dos
centros do capital financeiro global. Essa constante dependência
só fez
aprofundar as contradições entre o Estado privatizado e o
povo.
Novamente, de acordo com o IBGE, os 10% mais ricos da
população têm
renda 30 vezes superior que a renda dos 40% mais pobres, sendo que
esses 10% dos mais ricos são responsáveis por 50% do
total da renda
nacional.
Essa desigualdade foi anunciada historicamente pela falta de
ações e
estratégias que pudessem influenciar em decisões
relacionadas ao acesso
e uso de recursos capazes de alterar essas velhas estruturas, assim
como propor novas. Ilegalidade na habitação e meios de
comunicação são
o resultado dessa falta de compromisso com esses direitos
básicos.
Junto `a desigualdade econômica e negligência
política, a burocracia
reforça o processo que possibilita a ilegalidade, criando
diversos
mercados informais cada vez mais fortes.
Nosso dilema não é nem nunca foi a escassez. Nosso dilema
é o modelo de
produção e de distribuição da
abundância, isto é, o dilema da
desigualdade; na forma de desigualdade ecônomica para o acesso
aos
recursos naturais, bens e serviços e na forma desigualdade
simbólica,
para a produção de conhecimento, identidade e valores
culturais. É esse
e não a pobreza em si, um paradigma de
distribuição e não de
desenvolvimento, o nosso maior desafio.
(1) Ribeiro, Darcy "O povo Brasileiro" pg 252
Bibliografia
Barbero, Jesús Martín. Nuevos Regímenes de
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Colômbia, 1998.
Ribeiro, Darcy O povo Brasileiro
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