"É qualquer coisa de novo à sua maneira, entre o cinema experimental e a pintura. Eu me dedico a explorar esse espaço ainda novo entre o vídeo, a interatividade e a pintura, e acho isso muito excitante."

Nicolas Clauss

NICOLAS CLAUSS Por Jim Andrews
Tradução de Regina Célia Pinto

Durante a maior parte do tempo, o trabalho de Nicolas Clauss envolve colaboração. Ele e Jean-Jacques Birgé realizam um trabalho considerável juntos: Birgé compõe a parte sonora e musical, e algumas vezes contribui com imagens e, indubitavelmente com muito mais; mas existem outros: Clauss colaborou com Antoine Schmitt para uma peça chamada "Dead Fish", com Lamarque para uma peça do "Pianographique" chamada "Sudden Stories", e com Durieu em "Dark Matter" e "Sorcière". Visitando, flyingpuppet.com, o "site" de Clauss, encontram-se criações colaborativas com uma grande variedade de pessoas.

Embora ele não seja um programador, usando "Director", parece conhecer o suficiente de Lingo (linguagem de programação utilizada pelo "software Director") para fazer o que deseja. Durieu lhe ensinou "Director" - não se pode sonhar com melhor professor. Mas se observarmos o trabalho de Durieu e o trabalho de Clauss, constatamos que Clauss seguiu seu próprio caminho, o que é bem natural. É preciso ter piedade do pobre estudante que admira o trabalho de Durieu o suficiente para tentar seguir seus passos sem ser um programador ou matemático treinado. Seguramente é o caminho do desespero. Alguns vão tão longe que não podem ser seguidos.

Clauss porém seguiu seu próprio caminho. A programação "Lingo" que vi feita por ele está inteiramente contida no "script" da imagem. É preciso entender que a ação e a interatividade são inteiramente controladas por um "script", o "script" do marionetista, de uma certa maneira. Em lugar de criar objetos mais ou menos independentes com seus próprios comportamentos, os trabalhos de Clauss são de um "único script" nos quais as diferentes mídias são subordinadas ao comportamento global da peça.

Isto pode significar que os trabalhos possuem uma grande coesão. E é isso que se passa com alguns de seus trabalhos. Também pode significar que a programação tem âmbito limitado . Mas inovar em programação não é o que ele persegue. Na entrevista abaixo, encontramos o seguinte diálogo:

Andrews : Alguns de seus trabalhos recentes, como"Avant la nuit" e "Les Dormeurs" envolvem noções interessantes de cinema interativo, me parece. Você pensa que esta seja uma maneira correta de descrever esta parte de seu trabalho? Com isso você aspira a quê?

Clauss : Sim e não. Diria imagens animadas interativas em lugar de cinema, porque não tenho certeza que ele possa ser interativo. É qualquer coisa de coisa de novo à sua maneira, entre o cinema experimental e a pintura. Dedico-me a explorar esse espaço ainda novo entre o vídeo, a interatividade e a pintura, e acho isso muito excitante.

"Avant la nuit" e "Les Dormeurs", sobretudo o primeiro, me parece, manifestam um grande interesse nesta direção. O aspecto pictórico de "Avant la nuit ", com suas texturas superpostas sobre as imagens fotográficas, mostra particularmente bem a direção que Clauss descreve acima.

Esta é, claro, uma abordagem muito diferente para a influência de pintura na arte digital do que aquela que encontramos no trabalho de Mark Napier, por exemplo, o qual também foi um pintor. Mas de um lado está New York e do outro está Paris. E temos também a impressão que Clauss leva sua pintura ainda seriamente, de uma maneira que Napier não o faz mais. Mas também, Clauss está trabalhando com vídeo e fotografia, enquanto que Napier está mais interessado em seguir a arte da programação. São eles hoje tão diferentes como artistas do que foram quando eram pintores? Da pintura, através de numerosas influências, ao monitor, esse foi o caminho do trabalho de ambos. A moldura é maior ou menor, tanto para um como para o outro, do que se eles tivessem continuado pintores. A moldura do mundo atual envolve os computadores com bastante destaque. E a diferença entre eles no que concerne ao que acontece no monitor? É na ponta dos dedos... é onde e como isto é visto... é um contexto mundial.

Um fato interessante sobre este grupo informal, e freqüentemente colaborativo, de artistas parisienses dos quais nós falamos, é a presença deles não só no campo das artes, das mídias mas também da programação e da matemática. E não somente a presença mas também a intensidade e a força com que cada um deles atua. O nível de arte e habilidade nisso, paixão, e produtividade! Clauss compensa sua falta de formação em matemática e em programação por uma visão de experimentação " no espaço entre o vídeo, a interatividade e a pintura", e por uma grande experiência e interesse por vários tipos de arte. E por uma habilidade inabitual ao fazer trabalhos colaborativos. Além disso, certamente, ele tem um olhar e um ouvido '"poéticos". O desejo de plenitude que as pessoas de todas as idades possuem está sendo preenchido de maneira magnífica pelo trabalho colaborativo deste artista.

Será interessante ver se, com o prosseguimento do trabalho, Clauss será capaz de guardar seu grau de invenção sem ter de mergulhar mais profundamente na programação. O que acontece freqüentemente com os artistas digitais que não sabem programar bem, é começarem a repetir eles mesmos ou a bater num mesmo ponto, incapazes de implementar o que imaginam, ou pior, incapazes de imaginar além do que eles sabem.

Embora Clauss não esteja "interessado pelo código", olhando seu trabalho, não é difícil de ver que ele depende do código de numerosas maneiras. Contudo, as "idéias de programação" não têm a variedade que nós encontramos no trabalho de Schmitt, por exemplo, que fabrica os algoritmos que serão úteis não somente ao seu próprio trabalho, mas que se referem ao movimento humano em geral, dentre outras aplicações. É uma combinação entre arte e pesquisa que inclui a arte e a programação. De maneira similar, as "idéias de programação" de Napier têm freqüentemente a ver com a tecnologia cliente-servidor e envolvem algoritmos gerais para vários tipos de troca de dados na "Web", dentro do contexto de arte. As "idéias de programação" de Clauss são mais orientadas em direção ao que poderíamos descrever com "problemáticas narrativas" e problemáticas da "pintura numérica". Sua síntese está inteiramente no campo das artes.

Há similaridades de programação entre "One Day on the Air" e "Massacre". Um é a respeito do rádio e o outro da pintura. A natureza da interatividade em ambos cria um tipo de retórica de transição, diferente em cada caso. É uma espécie de máquina de narrativa poética. A interatividade dirige estes trabalhos como o verbo dirige a sentença. Isto funciona para os dois trabalhos porque cada trabalho é bastante diferente no que revela sobre o conteúdo da idéia interativa como narrativa ou máquina de retórica. Estas formas têm uma certa abertura.

Existe também uma repetição interessante entre o efeito de 'pintura' em "Avant la nuit" e "Dark Matter". O efeito de textura, às vezes, ao ser clicado, é utilizado diferentemente nas duas peças diferentes. O efeito em "Avant la nuit " nos lembra um dos efeitos de super-exposição em fotografia. O efeito em "Dark Matter" é mais explícito sobre os diferentes usos de "tinta" no "Director", mas é também intrigantemente, um tipo de mistura "pintada e programada" de pintura por código. Clauss experimenta com as tintas do "Director" como um pintor faz com a pintura.

Somos atingidos pela excelente síntese de experimentação com o som no trabalho de Clauss, mas também com a programação em peças como "Dark Matter", que é uma colaboração com Durieu e Birgé. As diferentes artes e mídias funcionam bem juntas. E os artistas eles mesmos funcionam bem juntos.

A aspiração de Clauss em experimentar " com o espaço entre o vídeo, interatividade e pintura" é excitante e ele já realizou trabalhos intrigantes nesse sentido. Seu trabalho pode ser colocado em relação com aqueles de Michiel Knaven na Holanda, que utiliza também "Shockwave", e Reiner Strasser na Alemanha, que é certamente agora o avô deste gênero de trabalho na web.

Clauss é constantemente colaborador; faz parte de um grupo que atravessa brilhantemente as artes, as mídias, a programação e a matemática. Faz uma arte não somente entre as artes, mas entre pessoas.

Também, como ele diz na entrevista, é artista em tempo integral. Isto exige confiança e determinação especiais para pular sem rede de proteção e ficar no ar. Que ele possa continuar a voar alto e não se torne nunca uma marionete!

  Entrevista
Andrews
Nicolas, quais são suas relações com Durieu, Schmitt, Jean-Luc Lamarque, servovalve e Jean-Jacques Birgé ? Desde quando você os conhece ?
Clauss

Nós nos conhecemos todos, salvo servovalve, que jamais encontrei. Conheço apenas o trabalho dele que é muito interessante. Frédéric é um amigo, nós nos encontramos alguns meses depois que vi um CD-ROM chamado "Alphabet" do qual ele é co-autor com Jean-Jacques Birgé. Em seguida, há quase três anos, ele me ensinou o básico do "Director" e finalmente nós fundamos juntos este que se tornou agora o seu próprio "site": "LeCielEstBleu". Alguns meses antes eu havia criado o meu próprio espaço, flyingpuppet.com. Encontrei Antoine o ano passado numa festa na casa de Birgé, e Jean-Luc Lamarque um pouco depois.

Em 1999, voltei do estrangeiro após uma viagem de seis anos (da Índia até a Coréia e a Austrália), tive algumas exposições na França e decidi ver o que era possível de ser feito com os computadores. Numa exposição vi o CD-ROM "Alphabet", fiquei impressionado, perguntei à minha volta e alguém me disse que aquilo havia sido feito com um "software" chamado "Director". Depois de obter o "software", comecei a trabalhar como um louco durante três meses (no início de 2000). Um CD-ROM apareceu depois disso (chamado "voyages") e então entrei em contacto com um dos autores do "Alphabet", Murielle Lefèvre (dadamedia) que gostou muito do que eu havia feito, e nós começamos a trabalhar juntos em um projeto que eu tinha, a respeito da dança (com os bailarinos desenhados em "Flash" sob o "Director"). Murielle me apresentou ao programador e co-autor do "Alphabet", Fred. Nós nos tornamos muito próximos e em 2001 nós começamos "LeCielEstBleu".

Durante este tempo, Fred me apresentou a Jean-Jacques e nos tornamos amigos. Eu o conhecia de nome porque eu tinha alguns CDs que ele havia feito com sua orquestra "Un Drame Musical Instantané", um grupo tocando música criativa com mais de 25 discos realizados. Era muito excitante trabalhar com alguém cuja música eu já conhecia e admirava há dez anos. Jean-Jacques é provavelmente "O" músico multimídia na França. Ele fez alguns trabalhos de multimídia com Antoine ("Carton" e "Machiavel", este último é excelente e baseado em 111 vídeos em "loop" [repetição contínua]). Jean-Jacques vem do cinema, e realizou alguns filmes.

Quando nós trabalhamos juntos, levo as imagens e a idéia inicial e em seguida nós ficamos indo e vindo entre minhas imagens e os sons dele. Nós trabalhamos juntos há um ano e meio.

Andrews
Quais são, no seu ponto de vista, as preocupações que você tem que são distintas das preocupações deles?
Clauss
Acredito que minha abordagem é mais a de um pintor. Não estou interessado pela programação. Digamos que me vejo como um pintor que utiliza "Director", assim como um escritor utiliza um "software" para elaborar um texto. Sinto que poderia utilizar um outro meio amanhã, se eu quisesse (o que seria diferente certamente).
Andrews
Alguns de seus trabalhos recentes, como"Avant la nuit" e "Les Dormeurs" envolvem noções interessantes de cinema interativo, me parece. Você pensa que esta seja uma maneira correta de descrever esta parte de seu trabalho? Com isso você aspira a quê?
Clauss
Sim e não. Diria imagens animadas interativas em lugar de cinema, porque não tenho certeza de que ele possa ser interativo. É qualquer coisa de coisa de novo à sua maneira, entre o cinema experimental e a pintura. Dedico-me a explorar esse espaço ainda novo entre o vídeo, a interatividade e a pintura, e acho isso muito excitante.
Andrews

O seu "site" se chama flyingpuppet.com. Em lingo (linguagem de programação do "software" "Director"), se pode "puppetiser"* as imagens-objetos. Eu me recordo de ter visto a palavra "puppet" (boneco) no "site" de Antoine, a propósito de seu projeto "avec détermination". Por que o seu "site" se chama flyingpuppet.com?

Nota da tradução: Jogo de palavras: "se pode tornar marionetes as imagens-objetos."

Clauss
... e a "PuppetTool" (Ferramenta Boneco) de Durieu... "Flying Puppet", "flyingpuppet", não sei nunca como escrever e não sei exatamente porque o escolhi, mas não pensei na palavra lingo de "puppet" (boneco).
Andrews
Tive conhecimento que você colaborou recentemente com Jean-Luc Lamarque num trabalho para o "site" do "Pianographique", chamado "Sudden Stories". Como isso se passou?
Clauss
Basicamente, nós utilizamos o código de Jean-Luc para fazer nosso próprio "Pianographique" com Birgé. Nós queríamos fazer um drama musical que os operadores utilizassem docemente. Habitualmente não gosto de interfaces complexas (preferiria utilizar somente o "mouse"), mas foi motivador, qualquer coisa tão diferente do que se encontra em"flyingpuppet". Jean-Luc é muito aberto aos diferentes estilos e colaborações, o que é uma qualidade.
Andrews
Noto que você, Antoine Schmitt e Durieu parecem compartilhar um interesse pela programação do movimento. Isto é algo que você conversa com eles?
Clauss
Sim, às vezes. De vez em quando lhes chamo para obter conselhos a respeito de "lingo". Imagino que eu conheço apenas 1% do que eles sabem de programação.
Andrews
Que outras preocupações e interesses você compartilha com Schmitt, Durieu, servovalve e Jean-Luc Lamarque?
Clauss
As batatas fritas na Bélgica e a interatividade com Fred. Um amigo querido com Antoine (Jean-Jacques Birgé) mas, provavelmente, muito mais.
Andrews
Todos vocês utilizam o "Director" e são artistas-programadores. Como isso aconteceu?
Clauss
Não me vejo como um artista-programador. Um artista, certamente, mas não um programador. Isto dito, acrescento ainda que o "Director" permite a utilização das tintas como aquelas do "Photoshop", o que, por exemplo, não acontece com o "Flash".
Andrews
Qual é a sua profissão ?
Clauss
Sou um artista em tempo integral, e sim, vivo, principalmente através de projetos comissionados como Cinq-ailleurs.com, ou com "workshops" (oficinas/cursos).
NICOLAS CLAUSS Por Jim Andrews
Tradução de Regina Célia Pinto
Voltar ao topo da pag.
Co-publicado em fevereiro de 2003, Nova Iorque, Rio, Berlim, Toronto